Filósofa levanta diversas questões para explicar o sentimento de frustração de muitos brasileiros com seu trabalho
Você gosta do que faz? Segundo uma pesquisa recente, a maioria dos brasileiros está infeliz com o trabalho.
Mas esse sentimento de frustração com a profissão pode ser por motivos diversos. Na edição especial do podcast BóraVoar sobre Propósito de Vida, o palestrante de vendas mais contratado do Brasil, Diego Maia, recebeu a filósofa e professora Lucia Helena Galvão para dialogar sobre esse tema.
Na entrevista Lucia Helena levanta uma série de questões que podem ajudar a explicar os motivos para esse sentimento. Será que você escolheu a profissão por gostar dela, ou por que ela era a que daria mais dinheiro? Você bota o seu coração em tudo que faz? Você vive ou apenas sobrevive?
Confira esse bate-papo inspirador.
Diego Maia - Lucia, uma pesquisa recente mostrou que a maior parte dos brasileiros está infeliz com o trabalho. Essa infelicidade virou padrão na nossa sociedade? Ser infeliz é normal?
Lucia Helena Galvão - Eu costumo dizer que a, não apenas no Brasil, mas no mundo, uma espécie de alienação, de fantasia da vocação. Vocação vem do vox, que é uma voz interna, implica em vida interior, em diálogo consigo mesmo, em um nível de autoconhecimento e de identidade que normalmente não temos. E aí chamamos de vocação aquilo que desejamos fazer. Por quê? Porque está na moda, porque dá status ou porque dá um bom retorno financeiro. Quando não alcançamos então esse posto, já temos a predisposição para não gostar daquilo que vamos fazer, o que torna tudo mais difícil. E mesmo quando alcançamos, vemos que a nossa fantasia não corresponde à realidade. Em muito pouco tempo percebemos que esse emprego, esse ofício, essa ocupação é dual como outro qualquer da face da Terra. Tem seu ponto de brilho, tem seu ponto de sombra, tem suas facilidades e tem as suas dificuldades.
Diego Maia - E como lidar com isso?
Lucia Helena Galvão - Se nós nos aceitamos como seres humanos também duais, mas querendo polarizar a nossa consciência naquilo que temos de melhor para aperfeiçoar, fazemos isso com todas as coisas nas quais nos propomos atuar na vida. Quer no nosso emprego, quer nos nossos relacionamentos. Polarizamos a nossa consciência no luminoso, damos o nosso melhor para que esse aspecto positivo ganhe espaço e ganhe território. Colocamos o nosso coração em tudo o que fazemos. Vamos até o limite das nossas possibilidades, para que aquele nosso trabalho seja agregador de valor. Para nós, para as pessoas a nossa volta, para a humanidade como um todo, na medida das suas possibilidades.
Diego Maia - É importante ter uma postura mais positiva?
Lucia Helena Galvão - Quem tem essa postura acaba achando interessante e proveitoso qualquer coisa que faça. Se isso entrou na minha vida é porque tem algo a me ensinar. Deixa eu mergulhar profundamente ali aprendendo o que ele me oferece, o ensinamento. E ao mesmo tempo dar o meu melhor para que esse ponto, essa trajetória, essa ocupação fique um pouco beneficiada pela minha presença, uma vez que eu quero ser fator de soma para o mundo. Eu quero sair daqui melhor do que eu entrei. Significa que tudo aquilo que eu faço tem que estar melhor do que aquilo que eu encontrei quando cheguei. Os ambientes por onde eu passo tem que ficar um pouquinho melhores porque eu estive ali.
“Quem quer crescer ao longo da vida tem que ter essa preocupação. Ser fator de soma para si próprio, para o outro e para o mundo.” Lucia Helena Galvão
Diego Maia - Você consegue enxergar a diferença entre viver e sobreviver?
Lucia Helena Galvão - Sobreviver consiste em exercer o instinto de sobrevivência e o instinto de perpetuação da espécie com o maior sucesso e o maior conforto possível. Ou seja, o instinto de sobrevivência, ter casa, ter comida, ter todas as minhas necessidades básicas atendidas. Instinto de preservação da espécie, deixar alguém que ocupará o meu lugar quando eu não estiver mais aqui. Isso é algo que é feito até mesmo por um ser muito primitivo, um ser unicelular. Um protozoário ou uma ameba também tem essa mesma preocupação.
Diego Maia - Muitos escolhem apenas a sobrevivência?
Lucia Helena Galvão - É evidente que entre o homem e essa ameba existe um abismo, porque para o ser humano foram dadas muitas possibilidades, muitas ferramentas. Ele tem muitas outras formas de interagir com o mundo. Apesar disso, grande parte da humanidade opta por continuar apenas buscando uma sobrevivência confortável e prazerosa na máxima possibilidade que ele possa realizar. Ou seja, viramos uma ameba VIP. É evidente que quando o homem se realiza através de valores humanos, ou seja de bondade, justiça, fraternidade, ética e muitos outros, ele está fazendo mais do que sobreviver. Ele está vivendo e é nesse momento que ele começa a ocupar o seu lugar no mundo.
Diego Maia - Então viver é estar ativamente integrado ao mundo?
Lucia Helena Galvão - A natureza nos fez aqui para sermos humanos, nos trouxe esse palco para realizarmos os valores da nossa humanidade. E com isso contribuímos para com o todo. Todo ser se realiza sendo aquilo que é. Quando fazemos mais do que sobreviver começamos a encenar a vida propriamente dita. E começamos a dizer ao mundo quem somos e começamos a ter a possibilidade de expandir a nossa consciência, expandir as nossas possibilidades de ser e de ajudar os demais a serem. Existe uma máxima filosófica que diz que todos os homens morrem, nem todos os homens vivem, alguns apenas sobrevivem. O universo de possibilidades que está ao alcance do homem com vontade, amor, inteligência, criatividade e tantas outras, é um desperdício apenas sobreviver. A natureza espera muito mais do que isso de um mero ser humano.
Diego Maia - Na sua opinião como filósofa, como uma estudiosa, como uma pensadora contemporânea, uma pensadora moderna. Como é que a gente deve conjugar a corrida para pagar as contas como nosso sonho de vida?
Lucia Helena Galvão - A maior parte das pessoas tem uma certa fantasia que é para pagar as contas da vida eu só vou poder entrar para três ou quatro profissões de sucesso. Aí, digamos, a profissão de sucesso X, todo mundo corre pra lá. É evidente que pouquíssimos têm realmente vocação para essa profissão. Só esses vão ter sucesso. Essa massa de pessoas não vocacionadas que só querem ganhar dinheiro, vão gerar uma massa de mediocridade que não vai fazer com que ganhem dinheiro nenhum. Eu ainda muito jovem me lembro que meu pai naquela época dizia que estava na moda profissão do Direito, já há muito tempo, de tal forma que quando você sacudir uma árvore caiam cinco advogados e logo corriam mais dez para defender aqueles cinco que tinham caído. Isso era uma brincadeira dele para a época, mas hoje continuamos tendo as nossas profissões de sucesso. Quando na verdade todos nós sofremos quando chegamos numa panificadora e as pessoas nem olham para a gente, nem ouvem quando a gente pede ‘quero o pão mais branquinho’. Ou quando chegamos numa loja e parece que o vendedor está fazendo um favor de nos atender. E assim tantos outros serviços na sociedade.
“Diferencia-se aquele que em um negócio, muito simples que seja, realmente está preocupado em beneficiar o outro.” Lucia Helena Galvão
Diego Maia - Como ser diferente disso, Lucia?
Lucia Helena Galvão - Me recordo da história de um cidadão que começou com uma pequena panificadora. Ele mesmo atendia e ele começou a separar as fornadas do pão mais clarinho e mais moreninho. Ele dizia que toda noite antes de dormir pensava como poderia ser um atendimento melhor ainda na sua panificadora no dia seguinte. E aí percebia que a dona Maria chegava no horário tal e o seu João no horário tal. Já separava a quantidade de pães quentinhos da coloração que eles preferiam, já deixava separado para eles. No dia seguinte começou a cadastrar o endereço da dona Maria e do seu João, contratou um motoboy e mandava entregar o pão do jeito que eles gostam, na quantidade que eles gostam na porta da casa deles. Resultado, depois de alguns anos tinha uma franquia no Brasil inteiro e estava extremamente bem sucedido. Simplesmente com uma coisa, colocando o seu coração naquilo que fazia, pensando no benefício do outro e não apenas em pagar as próprias contas e ter luxo e conforto.
Diego Maia - E todos podem buscar esse objetivo?
Lucia Helena Galvão - Qualquer um que faz isso encontra o seu lugar, diferencia-se numa sociedade onde o egoísmo é a tônica. Diferencia-se aquele que em um negócio, muito simples que seja, realmente está preocupado em beneficiar o outro. E assim já vi um professor de português que amava tanto que fazia, que tinha tanto carisma, que gerou também uma empresa que ensina português pelo Brasil afora. E muitas outras profissões que alguns diriam que não dá para pagar as contas. E para outros fez com que eles virassem empresários muito bem sucedidos. Ou seja, cuidado, porque o que melhor remunera é aquilo que é bem feito, não importa em que área seja. O que melhor remunera aquilo onde você reduz um pouco o seu egoísmo e pensa no bem estar do outro. Coloca ali o seu coração.
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Sobre o Diego Maia
Diego Maia é o palestrante de vendas mais contratado do Brasil. Com 6 livros publicados, atua no mercado de palestras e treinamentos de vendas desde 2003. Apresenta o BóraVoar, programa que está no ar em diversas emissoras de rádio como Antena 1 (103,7 FM Rio de Janeiro) e Mais Brasil News (101,7 FM Brasília). O programa também é publicado diariamente em todos os aplicativos de podcasts.
Diego Maia é CEO do CDPV (Centro de Desenvolvimento do Profissional de Vendas), escola de vendas pioneira no Brasil, especializada em treinamentos de vendas presenciais e online.
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